sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A cura dos cegos de Jericó - Uma contradição bíblica?


Nos evangelhos encontramos várias passagens semelhantes narradas pelos evangelistas. Nos relatos de Mateus 20.29-34, Marcos 10.46-52 e Lucas 18.35-43, observamos um milagre realizado por Jesus nas proximidades de Jericó. Porém, como em qualquer outra história contada por pessoas distintas, notamos que há diferenças entre os relatos.
Entretanto, antes que haja conclusões de que há contradições entre os evangelhos, e assim acabar por questionar a credibilidade e inspiração da Bíblia, é preciso analisar com cuidado essas diferenças.
Existem duas diferenças entre o relato dos três evangelistas. A primeira diferença envolve a questão do número de cegos:
Mateus 20.30
Marcos 10.46b-47

Lucas 18.35,38
30e eis que dois cegos, sentados junto do caminho, ouvindo que Jesus passava, clamaram, dizendo: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de nós. 

46 estava sentado junto do caminho um mendigo cego, Bartimeu filho de Timeu. 47 Este, quando ouviu que era Jesus, o nazareno, começou a clamar, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!

35estava um cego sentado junto do caminho, mendigando. 38 Então ele se pôs a clamar, dizendo: Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!

Mateus, que foi a única testemunha ocular, relata que havia dois cegos, mas não menciona seus nomes. Lucas fala de um cego, mas também não cita seu nome. Marcos fala de um cego, e especifica o homem pelo nome Bartimeu.
Sobre isso Wiersbe comenta:
Havia dois mendigos cegos sentados à beira da estrada (Mt 20:30), um dos quais se chamava Bartimeu. Tanto Marcos quanto Lucas se concentram nele, pois se mostrou mais articulado.[1]
Portanto, temos três visões diferentes de um mesmo acontecimento e que não há contradição. É improvável que um cego estivesse totalmente sozinho. Baseado nos fatos é possível dizer então que Jesus curou dois cegos, no qual um deles se chamava Bartimeu.
A segunda diferença encontrada entre os relatos é o local onde ocorreu o milagre. Esse ponto é considerado um pouco mais difícil de resolver, entretanto, não chega a provar uma contradição. Vejamos:
Mateus 20.29
Marcos 10.46a
Lucas 18.35a
29 Saindo eles de Jericó, seguiu-o uma grande multidão; 
46 Depois chegaram a Jericó. E, ao sair ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão...
35 Ora, quando ele ia chegando a Jericó...

Mateus e Marcos relatam que Jesus estava saindo de Jericó, enquanto Lucas diz que eles estavam entrando em Jericó. Alguns dizem que pode haver algum problema na tradução da palavra grega usada por Lucas (eggizo), que poderia ser traduzida como o ato de chegar perto de algum lugar, ou significar estar próximo de um local. Dessa forma, se ele tivesse saído de Jericó, estaria próximo.
Outra possível explicação seria do fato histórico da existência de duas cidades conhecidas pelo mesmo nome, onde uma seria as ruínas da Jericó antiga e a outra uma nova Jericó construída por Herodes, como destaca Morris:
E ressaltado também que havia duas Jericós, a antiga, famosa no Antigo Testamento, e a nova, estabelecida perto por Herodes Magno. Alguns sustentam que a cura foi realizada enquanto Jesus saia de uma delas para entrar na outra.[2]
Assim, é bem provável pensar que o milagre aconteceu quando estava saindo da cidade judaica para entrar na cidade romana, ou o contrário. Por isso, fica nítida a importância de se analisar as circunstâncias e o contexto da época da escrita dos textos bíblicos, pois através do estudo aprofundado da Palavra é possível esclarecer o que poderia aparentar uma contradição.


Tiago de Lima Araujo



[1] WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo/ Novo Testamento: Volume I; Trad. por Susana E. Klassen, Santo André, Geográfica editora, 2007, p. 191 .
[2] MORRIS. Leon L. O evangelho de Lucas: Introdução e comentário; Trad. por Gordon Chown; São Paulo, Mundo Cristão, 1974, p. 254.  

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